foto: OGLOBO

TRAGÉDIA ANUNCIADA

A sequência de catástrofes por chuvas,  em estados distintos (como a Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) é fato de extrema  relevância  que demanda reavaliação criteriosa da forma como vem sendo conduzido o planejamento em  áreas urbanas, em particular nas suas áreas de risco, diante da  realidade agressiva, ocasionadas em virtude das inequívocas mudanças climáticas Ao contrário de outras tragédias que são objeto de investigação, os desastres de natureza urbana, tais como enchentes e deslizamentos de terra não conduzem, no Brasil, a nenhuma ação que resulte na identificação de responsabilidade dos autores, ou medidas administrativas e ações que possam prevenir ou mesmo mitigar novas ocorrências.  

Após 11 anos da catástrofe que varreu e soterrou fundos de vale em Nova Friburgo, Teresópolis, Vale do Cuiabá e Itaipava, distrito de Petrópolis, presenciamos  infelizmente, mas sem surpresa, a uma nova tragédia de proporções ainda maiores do que muitas  já ocorridas, como as de 1966 e 1988. Desta vez, os transtornos varreram a região central de Petrópolis e bairros próximos do primeiro distrito, com agravante em Raiz da Serra, Chácara Flora e Quitandinha, este último castigado por catástrofes em 2008 e 2016, também resultando em dezenas de mortes.

A extensão das perdas de vidas e bens patrimoniais ainda é desconhecida. É sabido  apenas que caso  não seja alterada a maneira de produzir cidades,  com especial atenção à ocupação de montanhas, fundos de vale e margens de cursos d’água, o que ocorreu  permanecerá acontecendo nessa e em outras cidades do Estado do Rio de Janeiro, assim como em outras de todo o Brasil. Os eventos cíclicos tendem a aumentar, em  intensidade e frequência,  de modo exponencial, revelando porque muito se tem falado em “emergências climáticas, ainda que sem o devido planejamento e execução de medidas de curto, médio e longo prazos. 

O que de fato foi feito nestes últimos anos, depois das recorrentes tragédias, além do recebimento de vultosos recursos por parte de inúmeras administrações? As ocupações ao longo das margens dos rios deixaram de existir? As margens dos rios foram restauradas? Paramos de fazer alterações na morfologia dos rios, de construir em talvegues e ao longo das linhas de drenagem natural, de fazer cortes e aterros em áreas suscetíveis  a deslizamentos?  Não, ao contrário! As áreas urbanizadas continuam avançando sobre as encostas, mesmo nas mais íngremes, que estão cada vez mais impermeáveis ao fluxo das águas de chuva.

A terra urbanizada, segura, livre de desastres, persiste como  um bem escasso, somente disponível para as camadas mais abastadas da população. Para as demais, resta esperar que a chuva não seja muito intensa, sabendo que não restou outra opção, a não ser permanecer em áreas de risco. Petrópolis e a região serrana do Rio de Janeiro têm a particularidade de contar com muitas residências construídas em encostas passíveis de risco, inclusive de classes sociais mais privilegiadas.

A responsabilidade sobre os eventos danosos que penalizam toda a sociedade, pode e deve ser atribuída aos agentes públicos, na medida em que é da competência de estados e municípios orientar o planejamento territorial intra e inter urbanos, conforme o que preceitua a Constituição Federal. De igual modo, também lhes cabe estabelecer parâmetros normativos e fiscalizadores, que disciplinem a ganância das intervenções do capital privado no espaço das cidades e em suas adjacentes áreas rurais, ou continuaremos a conviver com catástrofes periódicas, que sobretudo atingem o contingente mais pobre da sociedade brasileira.  Mas o capital privado e a população também não podem mais aceitar conviver com essas catástrofes periodicamente em nome de mais lucro para os seus empreendimentos, menos regras a seguir e o anseio eterno de uma parcela da sociedade pela segregação entre pobres e menos pobres.

Assim, mais  uma vez o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o seu departamento do Rio de Janeiro vêm a público não só manifestar sua solidariedade à população e à cidade de Petrópolis, mas também propor ações concretas que possam contribuir  para  a transformação dessa perversa realidade em que estamos inseridos. Neste sentido, a revisão do Plano Diretor, ora em curso, deve:

– Criar uma política pública preventiva, através da regulamentação e da implementação efetiva do Sistema de Defesa da Cidade, integrado ao Sistema de Planejamento e Gestão Urbana; 

– Determinar a elaboração de planos de resiliência e de contingência aos desafios climáticos;  

– Mapear as áreas de risco e incluí-las em um cadastro nacional, implementando de fato e aprofundando os estudos já realizados no Plano Municipal de Redução de Riscos, de 2017; 

– Garantir a realização de monitoramento contínuo e sistemático; 

– Prever mecanismos, instrumentos e recursos para provisão de habitação e implementação de programas de melhorias habitacionais para quem precisa e não tem como arcar com os preços praticados pelo mercado;

– Orientar o crescimento urbano para áreas que não ofereçam risco à população.

– Indicar soluções, determinar o monitoramento da expansão da ocupação urbana e definir metas, indicadores e o percentual dos recursos dos fundos existentes destinados a essas finalidades;

– Incentivar parcerias com universidades, institutos de pesquisa e entidades de classe para realização de estudos, mapeamentos, monitoramentos e até concursos públicos de projetos habitacionais que induzam ao crescimento sustentável e a melhoria das condições habitacionais e urbanas da cidade.

– Estabelecer moratória em relação à elevação do greide nas margens de rios e córregos;

– Implementar soluções de drenagem e retenção de águas pluviais a partir de soluções baseadas na natureza;

– Revisar a Lei de Uso e Parcelamento do Solo;

A aplicação dos planos setoriais indutores de programas e projetos é essencial para respostas imediatas na Política Nacional de Desastres, aprovada desde 2012, com pouca eficácia em reverter recursos para a produção habitacional e para a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social. 

A articulação entre a política habitacional e a política ambiental também é de fundamental importância para assegurar a resiliência, parte do compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, do qual o Brasil é signatário. O planejamento precisa se consolidar como instrumento permanente, que permita a reavaliação dos métodos até então utilizados e, caso necessário, uma modificação de rota.    Neste sentido, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o seu departamento do Rio de Janeiro se colocam à disposição para colaborar diretamente nestas iniciativas.

Como medida emergencial, mas também solidária e em conjunto com o IAB-RJ e com o Colégio de Entidades de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, o CAU/RJ – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – se colocou como ponto de coleta de doações para as vítimas desse novo desastre. Garrafas de água são a prioridade. Colchões, cobertores, material de limpeza e higiene pessoal, máscaras, álcool em gel, roupas e alimentos não perecíveis são itens também importantes. As doações poderão ser feitas a partir desta quinta-feira, dia 17, das 9h às 17h, na unidade móvel do Conselho que estará localizada na Av. República do Chile, 230, entre o Teatro Nelson Rodrigues e o edifício sede da autarquia, no Centro do Rio de Janeiro. A exceção é sábado, quando a equipe do CAU-RJ receberá as doações até as 12h, pois realizará a entrega das doações arrecadadas à tarde.

https://www.caubr.gov.br/cau-rj-recebe-doacoes-para-as-vitimas-das-chuvas-em-petropolis/ 

 

Instituto de Arquitetos do Brasil

Instituto de Arquitetos do Brasil departamento Rio de Janeiro