O Carnaval, que pulsou pelas ruas do Rio de Janeiro nas últimas semanas, chegou à sua apoteose final. A escola Beija-Flor foi a vencedora no desfile do grupo especial. Entre blocos arrastando multidões, desfiles na Marquês de Sapucaí e na Av. Intendente Magalhães, a cidade se transformou em um palco a céu aberto. Paralelamente, o Brasil acompanhou apaixonado à conquista do Oscar de melhor filme estrangeiro ao resgatar parte de sua memória. O que poucos talvez perceberam, porém, é a relação íntima entre a Arquitetura e Urbanismo e a festa popular que contagia milhares de foliões, feitos sócio culturais marcantes que empolgam o país no início do ano de 2025.
Para celebrar essa conexão, realizamos um mergulho nos arquivos do IAB RJ que revela como a arquitetura e o urbanismo são parte essencial do Carnaval. O acervo da entidade, atualmente em processo de organização e catalogação com apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), através do edital Ítalo Campofiorito de Patrocínio Cultural, guarda registros que demonstram a importância histórica dos arquitetos na construção do imaginário carnavalesco da cidade.
A presidente do Departamento, Marcela Abla, defende que o Carnaval carioca não se resume à festa, ela é reflexo da nossa história, da ocupação dos espaços urbanos e da identidade cultural da cidade. “Arquitetos e urbanistas têm papel importante na construção desse cenário e de sua relação com a cidade, contribuindo com técnica, sensibilidade e inovação”, afirma.
Da prancheta à Sapucaí
Na capital do samba, diversos arquitetos e urbanistas se dedicam à criação de fantasias, carros alegóricos e até à concepção de desfiles inteiros que contribuem para o efêmero momento mágico de apresentação de suas concepções perante os carnavalescos.
A própria Marquês de Sapucaí, palco de apresentação dos desfiles é um símbolo inconteste da relação entre a arquitetura e o Carnaval, projetada por Oscar Niemeyer e inaugurada em 1984, a passarela do samba reafirmou um marco urbanístico que transformou os desfiles das escolas de samba cariocas em um espetáculo de dimensão global.
IAB RJ e os concursos carnavalescos do Rio de Janeiro
Entre as décadas de 1980 e 1990, o IAB RJ teve papel fundamental na agenda carnavalesca carioca, organizando concursos públicos de projeto para a ornamentação da cidade durante o período festivo.
Em 1990 foram realizados dois concursos públicos voltados para as festividades do carnaval. O primeiro, destinava-se à decoração na Avenida Rio Branco e do conjunto da Cinelândia. O segundo concurso abrangia o Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel e a Avenida Intendente Magalhães, em Madureira.
Márcia Maria dos Santos Santoro, há época com 22 anos, foi a grande vencedora do primeiro concurso. Seu trabalho, com tema “Fantasia Amazônica”, coloriu o Centro do Rio. Madureira e Vila Isabel receberam enfeites inspirados no tema “Sambambaiada”, criada por Luiz Carlos Silva.
Importante destacar que, apesar de muito jovem, Márcia Maria era figura experiente das iniciativas anteriores. Em 1989 ela alcançou o segundo lugar da competição com projeto inspirado na obra do pintor Alfredo Volpi.
A realização desses concursos era uma tradição forte na cidade. Em debate promovido pelo IAB RJ, no dia 21 de setembro de 1989, com as participações de Luiz Fernando Freitas, consultor do concurso de 1990; José Messias, representante da Riotur; e Joãozinho Trinta, Adir Ben Kauss, então presidente da entidade, afirmou que essas competições o influenciaram a se tornar arquiteto e urbanista. (clique aqui para ler a ata do debate de 21 de setembro de 1989).
Em 1999, o concurso de decoração carnavalesca teve a Avenida Rio Branco como objeto, cujo tema foi Carmen Miranda. A iniciativa homenageava a pequena notável que conquistou o mundo com seu gingado e irreverência. O vencedor da disputa foi André Piva, autor de diversos projetos na cidade do Rio de Janeiro.
A presidente do IAB RJ, Marcela Abla, defende que essa prática venha a acontecer para os próximos carnavais. “A volta da decoração na cidade, enquanto Capital Mundial da Arquitetura, não apenas retoma uma tradição, mas também reafirma a importância de a entendermos como um espaço dinâmico. Nela, cultura, sociedade e urbanismo se entrelaçam, transformando realidades, mesmo que efêmeras, e inspirando novas gerações.”, diz.
Carnaval tem DNA da Arquitetura
A presença dos arquitetos e urbanistas no Carnaval vai muito além dos concursos e da Marquês de Sapucaí. A festa, que transforma as ruas em territórios de efervescência cultural, carrega em seu DNA a marca do planejamento urbano e da criatividade arquitetônica. Das grandiosas alegorias ao traçado das ruas que recebem blocos e cortejos, a cidade se dobra e se refaz para acolher a maior celebração popular do Brasil.
Exemplo concreto dessa relação intrínseca da Arquitetura com a festa momesca é o livro “Pra tudo se acabar na quarta-feira”, recém-lançado pela editora Capivara. Organizado pelo arquiteto e urbanista Miguel Pinto Guimarães e pela crítica de arte e curadora Luisa Duarte, a obra reúne artigos biográficos e analíticos sobre 16 dos mais conhecidos carnavalescos do Brasil. “Uma injeção de formas e cores atiçando nossas sinapses, um baticumbum ritmando nosso pulsar cardíaco. Ninguém sai o mesmo de uma experiência como essa”, define Miguel em sua introdução.
Assim, enquanto os tamborins marcam o ritmo da folia, os traços da arquitetura e do urbanismo seguem moldando os espaços onde a magia acontece. Afinal, Carnaval também se faz com pranchetas, projetos e sonhos concretizados.